quinta-feira, 28 de abril de 2011

Xeque-mate

Acabou a jogada. Lançam-se novamente os dados. As cartas ficam em cima da mesa e vamos. Abandonámos a sala. O silêncio permaneceu. Saboreamos a respiração de tudo aquilo que nos rodeia. Lá fora as folhas esvoaçam de um lado para o outro como quem transporta as mensagens perdidas em pensamentos. O jogo terminou. Com ou sem rotina. Com ou sem vontade. O rei ganha quando é jogado depois de uma dama. Mas as copas perdem contra espadas. O trunfo não importa. Lançámos novamente os dados. O valor não nos seduz. São lançados outra vez. E outra vez. Estão viciados. Avançamos. Recuamos. Recuamos. Avançamos. Ora dois passos para trás. Ora um passo para a frente. Esta história do andar para trás e para a frente conforme o que a música nos diz quase que parece uma dança. Porém, embora uma valsa seja uma valsa, não vamos dançar. Nunca dançámos. Não sabemos dançar. Finalmente mudámos de jogo. Não quero saber as regras. Desta vez não. Este não tem música. Não existem passos. Simplesmente flutuamos ao sabor de nós próprios. Fecharam o pano. Apagaram-se as luzes. Acabou o último acto. O encenador já não volta. Não seguimos o guião. Alterámos as falas. Modificámos o sentido. Tranformámos a peça naquilo a que chamamos de vida. Irónico. Afinal, não estavamos apenas a jogar. No entanto, o jogo recomeça. Mesmo que se mudem os jogadores. Recomeça sempre. Independentemente de os dados se viciarem. E quando o pano abre, dá-se início à próxima cena. Mas se voltas a falhar, Xeque-Mate. Quebra-se o ritmo e perde-se o coração.


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quarta-feira, 27 de abril de 2011

(in)certezas

Tu estás igual. Eu estou igual. E sempre que falas oiço aquilo que me dizes. Porque o tempo passa e as horas mudam. Mas as tuas camisolas já não são de criança. E os meus sapatos já não sao escolhidos pela minha mãe. Os sorrisos deixaram de ser o espelho da inocência. Os olhares cruzam-se, agora, com um outro sentido. Sinto que no ar ficou a nostalgia de quando nos conhecemos. Não de quando nos vimos. Mas sim de quando percebemos que, ainda que com todos os defeitos que nos são característicos, existem pessoas perfeitas. Os meus sonhos não são os teus sonhos. E ambos sabemos dessa realidade. Mas quem se cruza pelo caminho poderá, sempre, recorrer a um atalho. O lado certo não existe. O lado errado também não. E os atalhos acontecem quando percebemos que nada nos impede de construir o nosso próprio destino. Porque o relógio voltou a mudar e tu continuas aqui. Os segundos passam e a dúvida se ficas ou se vais deixou de me importar. A decisão é tua. Gostava de te ouvir e de perceber tudo aquilo que me tentas dizer. No entanto, prefiro que deixes as palavras voarem ao sabor do vento. Simplesmente porque a tua presença começa a tornar-se o essencial. Dando às palavras perdidas um rumo que nenhum de nós saberá seguir. Na esperança de que um dia as encontremos. Porque o sentimento não se vê. Sinto-o. Mas sei que tu apenas ouves aquilo que te digo. Ouves ou finges ouvir. Estás ou tentas transparecer que estás. Vais e ficas constantemente. Entrelaças-te a cada instante nas tuas próprias indecisões. Embora, no fundo eu saiba que nunca terás certezas. Mas são as incertezas que, todos os dias, me fazem gostar de ti.


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segunda-feira, 25 de abril de 2011

(des)encontrados

Deixou-se ficar. Mas com a pressa de voltar a um mundo que só a si lhe pertencia, ele partiu. Tudo mudou mas nada saiu do lugar. O coração dela batia cada vez mais depressa. As lágrimas caíam. As recordações balanceavam-se para lá e para cada como que um baloiço de crianças. A vontade de correr atrás do balão perdido. O sonho de um dia perfeito. O sorriso desvanecido. A princesa caiu em cena. O príncipe abandonou a peça sem deixar rasto. As cartas para rasgar. Já tudo estava distante. Finalmente ele chegou a casa. O silêncio instalou-se. O sentimento de culpa sobreveio. Fez o que estava certo. Mas não estava certo daquilo que fizera. O lábio tremia-lhe. O coração palpitava de forma diferente do habitual. As paredes forradas com fotografias. Fotografias que eram deles. Deixou-se cair em cima da cama e adormeceu. Viajou para outro lugar. Onde tudo estava como sempre esteve. Onde ele sorria. Ela sonhava. E eles viviam. Aqui ela não lhe atribuía culpas. Ele não se sentia culpado. O princípio do fim não chegara. E ele não tinha que a deixar simplesmente porque o destino assim o ditou. Mas no fim de contas, ela continuava em compasso de espera, perdida nas ruas da cidade, sem vontade de se encontrar.




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change




domingo, 24 de abril de 2011

verão de primavera

Sorriu. As gaivotas voam. O mar bate contra as rochas. As crianças correm desenfreadamente pela calçada que, mesmo com falhas, percorre a praia. Ao fundo o som dos barcos faz-se ouvir. As pessoas deitam-se como que lagostas ao sol. O senhor lê o jornal. Ou finge que lê. Voa a folha do meio. E o resto embrulha-se nas suas mãos como se de um guardanapo se tratasse. A senhora ri-se. Aborrecem-se. O vento pode ser tramado. Os vizinhos comentam porque nada no seu dia lhes interessa mais do que a vida dos outros. A bola gira de craque para craque. E, assim, os rapazes fazem-se sentir. As raparigas olham como que a medo. Coram. Riem baixinho e desviam o olhar. Fazem-se de importantes e de desinteressadas. Que mentira. Querem tanto ou mais que eles. Manias. Tudo parece um dia normal de verão. O sol está bem quente. Cheira a maresia. Porém, estamos em Abril. A praia em Abril não pertence aos banhistas. Quanto muito, serve de pano de fundo para o passeio dos turistas. Os surfistas sentem-se usurpados. A praia, a areia, a brisa, o sol, as ondas. Tudo lhes pertence. O nadador salvador não chega. A bandeira ainda não esvoaça no mastro a meio do areal. Mas as correrias são espontâneas. Surgem os barquinhos de encher. As pessoas tendem em mergulhar. O verão chegou mais cedo e ela, sentada na esplanada, sorriu.




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sábado, 23 de abril de 2011

follow your dreams



com ou sem sentido

Nem tudo é como queremos que seja. Nem tudo muda quando tem que ser. Nada faz sentido quando faz sentido que o fizesse. Somos apenas alguém com uma vida para traçar. Entramos e saímos de vidas alheias a pensar que mudámos alguma coisa. Nem sempre isso acontece. Poucas são as vezes em que isso acontece. Somos seres individuais. Mais individuais do que aquilo que pensamos. Na verdade, queremos ser aquilo com que sonhamos. Ou talvez sonhemos com aquilo que somos na realidade. Há dias assim. Em que nada nos parece ter sentido. Em que ninguém parece estar connosco. Ou então, somos nós que não queremos estar com ninguém. Aceitar o outro não é fácil. É preciso parar. Conhecer. Querer. Dar espaço e liberdade para que o outro se torne num alguém para nós. E depois de um alguém o que será que vem mais? Cada passo é um passo. Cada dia é um dia. E como não poderia deixar de ser: cada pessoa é uma pessoa. E com elas aprendemos. Seja com um olhar arrebatador ou com um sorriso reconfortante. Se isto faz sentido? Na realidade, nada fez sentido quando o sentido deveria existir.






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