segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

talvez

Um sentimento que parece mudar a qualquer instante. Mas ao mesmo tempo estável a cada segundo. Um vazio que preenche o espaço fechado. Uma melodia que divaga ao som dos passos que vão sendo dados. As cores mudam. As pessoas. As viagens. As histórias. Os lugares. A presença. Ela fecha os olhos e reconhece o cheiro. Sente o beijo. O toque. Ouve o sorriso e a forma como se mexe. Imagina as expressões e o que tem vestido. Onde queria estar. O que fazer. Avança e recua como se não soubesse para onde ir. Ou onde ficar. Ontem estava certa. Hoje perdida. Amanhã talvez retome aquilo que ficou por fazer. Amanhã talvez saiba aquilo que sentir. Ou apenas o que não pode dizer.


V'ideias

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

inverno

Ouve-se o vento de um lado para o outro da rua. A janela está completamente embaciada e as gotas são tantas que já lhes perdi a conta. A lareira está acesa e o cheirinho a café estende-se pela casa. No quarto as almofadas estão como que aconchegadas umas com as outras e a manta surge dobrada em quatro. Faz lembrar o inverno. Na mesinha de cabeceira o livro repousa dias e dias sem cessar. O vento sopra cada vez mais forte. As janelas estremecem. Desdobro a manta e cubro-me até à cabeça. Continuo a sentir o cheiro a café. E a ponta do nariz gelada. Continuo a querer-te comigo. Sinto o teu abraço. Entendo-te as palavras. Mas desconheço-te o motivo. A almofada caiu. A luz falhou. O rádio começou a tocar. Acordei aconchegada pela manta. Adormecida em sonhos. Senti um arrepio. Parece que alguém passou por aqui. O livro já não está no sítio. As janelas já não batem com o vento. Mas a temperatura continua baixa. Senti um suspiro e deixei-me ficar com a vontade de te querer ver uma vez mais. E o inverno chegou mas tu não estás comigo.


V'ideias

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

infância

O baloiço parou. A corda ficou no chão. Na prateleira já só encontro livros e cadernos de rabiscos. Já não oiço uma voz ao longe a chamar por mim. Os vestidinhos rodados e os sapatinhos de menina deixaram de ser importantes. Os lápis de cor e as canetas de filtro. O apagador. O giz de todas as cores. A técnica dos lápis de cera e as aulas de trabalhos manuais. E a caixa das recordações está cada vez mais cheia. Parece que foi ontem. Os joelhos esfolados. Os patins em linha. A bicicleta. Jogar às escondidas e ao macaquinho do chinês. Tempos em que tudo tinha cor e os amigos eram para sempre. Onde a confiança era tão natural e os sorrisos espontâneos. Hoje damos um passo de cada vez sempre com receio de tropeçar. Sorrimos porque é eticamente correcto. Ou então simplesmente porque somos simpáticos. Falamos de tudo e nunca sabemos de nada. A confiança é escassa. As amizades incertas. Mas a família para sempre. As saudades da infância afluem como quem se lembra do que comeu ontem. Nas gavetas. Bem no fundo das gavetas encontramos todos aqueles papelinhos dobrados em quatro ou cinco ou seis que guardámos para que nunca nos falha-se a memória. Todas as histórias que vivemos. Todas as baboseiras que escrevemos. Que escrevemos quando ainda tínhamos tempo. Que vivemos quando ainda não sabíamos o que era a vida. Hoje cresci. Não que seja adulta. Não que saiba o que ai vem. E de todo que esteja preparada. Mas já não me sinto a menina de cinco anos capaz de sonhar com tudo aquilo que um dia irei ser.




V'ideias

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

saudade

sinto um aperto quando não estás comigo. mas sei que não me deixas cair sem antes me amparares. quando a curva se torna apertada. e o caminho perigoso. sem escolhas certas. sem um destino seguro. sei que foste porque eu fiquei. sinto que voltas quando eu partir. as decisões valem o que valem. as pessoas são o que são. e tu serás o que nunca ninguém foi.


V'ideias

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

capítulo

sorrisos. palavras. gestos. olhares. presenças que ficam no ar mesmo quando a porta se fecha. mesmo quando a chuva bate na janela do quarto. e quando o vento parece tão forte quanto o sentimento que existe, sinto-me segura por estar aqui. quando voltei. quando decidi ficar. era tudo mais fácil. porque nada sofreu mudanças quando mudámos de direcção. tudo me pareceu normal quando rasguei o embrulho. a máquina dispara vezes sem conta na esperança de registar o momento. de fazer recordar (um dia mais tarde) aquilo que sentimos quando não estamos sozinhos. irónico. a porta abre e fecha ao sabor da tua presença. hoje a porta prendeu e no espelho encontro-me de malas feitas, pronta a partir. peguei no livro e ao acaso abri na página errada. faltam palavras. faltam personagens. as vírgulas transformam-se em pontos. e os pontos ditam o fim. o livro terminou mas o que ficou por dizer perde-se ao sabor das luzes. estas luzes que preenchem o espaço quando procuro na paisagem a lua (que se escondeu). e a estrela que me acompanha todas as noites. mas esta fugiu para outro lugar. aqui ficam caixas e caixas de tudo aquilo que me fez um dia querer voltar. as pessoas mudaram. já nada me parece igual. oiço os sinos uma vez mais. está na hora. desta vez não foi preciso despertador. basta olhar para trás e perceber que as folhas ficaram caídas pelo caminho. os sorrisos. as pessoas. as palavras. afinal, todos os cenários, todas as personagens e todas as falas não foram mais do que parte de um capítulo. um capítulo de uma história que continuará sem fim.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

ilusão

Ao som de uma guitarra revejo-me em ti. Nas tuas expressões. Nas tuas ideologias. Na tua forma de mexer os lábios. De mexer o cabelo. No modo como balanceias o corpo quando te movimentas de um lado para o outro da sala. Descubro por entre o teu crescimento a sabedoria que te caracteriza. Conheço-te os gestos. Percebo-te a voz. Escondes bem demais aquilo que não queres espalhar aos quatro ventos. Finges que sabes. Que conheces. Que consegues chegar àquilo que percorre dentro de mim. Vives na ilusão de me conhecer. De saber o que sinto. O que faço. Como faço. De que forma ignoro aqueles que me estipulam barreiras. Barreiras que quebro. Barreiras que esqueço. Tu, tal como tudo o que me preenche, não passas de um espaço em aberto. Um tiro no escuro. Um refúgio quando tudo está bem. Uma saída quando tudo está mal. Mas no fim de contas percebo que não existes. Que não eras mais do que uma ilusão criada nesta mente que flutua por entre pássaros livres neste mundo que é só meu. E quem sabe, só teu.




V'ideias

sexta-feira, 3 de junho de 2011

viagem

Palavras ditas na desdita, com sentimento ou fingidas. Palavras soltas. Ideias perdidas. Acontecimentos futuros passados no passado. Pessoas desconhecidas no entretanto. Quando a viagem começa com um ponto. Quando a vírgula deixa de fazer sentido. Quando as pessoas são as pessoas quando o querem ser. E o íntimo perde-se quando se quer perder. Nem sempre se diz o que nos vai na alma. As letras deixam-se cair entre palavras de pensamentos esquecidos. Não voltes atrás. Mas não te percas na volta do mundo. E então ouve-se o tic-tac do relógio. Observa-se o girar dos ponteiros. Surge um bilhete na mão. O comboio chega e as pessoas reagem. Vem de longe. Vai para ainda mais longe. Sem destino certo. Um percurso inserto. Malas e bagagens acompanham todo o movimento desenfreado daqueles que depressa se movimentam em torno de uma linha sem fim. O chapéu voa e a carta fica caída no chão. As lágrimas caiem. Amigos abraçam-se. Namorados despedem-se. O comboio parte e para trás fica tudo aquilo que sempre construiu uma história. As pessoas percorrem as carruagens de uma ponta à outra como se conhecessem toda a gente. Como se aquele fosse um espaço de lazer. O sol põe-se e acendem-se as luzes. A paisagem lá fora parece igual a cada dois segundos. O vidro espelha o ar cansado. Os olhos sentidos. A vontade de voltar a casa e ficar. E ao mesmo tempo o coração estilhaçado, na esperança de um dia retomar. Existe uma ânsia de chegar ao destino, mesmo quando se trata de um lugar incerto. As expectativas estão cada vez mais altas. Os sonhos perdem-se em torno de um comboio que oscila ao sabor do vento. Entre vozes, barulhos, passos e sussurrares de crianças, os olhos fecham-se e tudo parece mudar. Naquele lugar repleto de desconhecidos e invadido de memórias. O relógio parou. O tempo não volta. As horas perdidas despedaçaram-se pelo caminho. Fazem-se sentir as saudades daqueles que um dia nos preencheram. A viagem começou no dia em que tudo mudou e nada pode ficar no mesmo lugar. E tudo porque o destino foi traçado uma outra vez.





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segunda-feira, 2 de maio de 2011

em branco

Um livro será sempre um livro. Mas as folhas estão em branco. O título não foi pensado. A dedicatória está implícita e os diálogos ficaram por dizer. A capa parece-se igual a tantas outras. Mas este é diferente. As páginas estão vazias e cada folha contém um pensamento inacabado. Uma frase incompleta. Uma fala que ficou por dizer. São páginas e páginas cheias de tudo aquilo que me preenche ou que me faz sentir um vazio. Palavras que depois de escritas são apagadas. Sentimentos ignorados numa folha de papel em branco, onde tudo se guarda mas nada se escreve. Letras confusas e interpretações mal feitas. Simplesmente porque, embora, faças parte de toda a história que não existe, o teu nome não foi escrito no prefácio e foi apagado do epílogo. É, portanto, como que escrever uma outra língua, onde tudo o que for escrito ficará apenas no meu entender.


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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Xeque-mate

Acabou a jogada. Lançam-se novamente os dados. As cartas ficam em cima da mesa e vamos. Abandonámos a sala. O silêncio permaneceu. Saboreamos a respiração de tudo aquilo que nos rodeia. Lá fora as folhas esvoaçam de um lado para o outro como quem transporta as mensagens perdidas em pensamentos. O jogo terminou. Com ou sem rotina. Com ou sem vontade. O rei ganha quando é jogado depois de uma dama. Mas as copas perdem contra espadas. O trunfo não importa. Lançámos novamente os dados. O valor não nos seduz. São lançados outra vez. E outra vez. Estão viciados. Avançamos. Recuamos. Recuamos. Avançamos. Ora dois passos para trás. Ora um passo para a frente. Esta história do andar para trás e para a frente conforme o que a música nos diz quase que parece uma dança. Porém, embora uma valsa seja uma valsa, não vamos dançar. Nunca dançámos. Não sabemos dançar. Finalmente mudámos de jogo. Não quero saber as regras. Desta vez não. Este não tem música. Não existem passos. Simplesmente flutuamos ao sabor de nós próprios. Fecharam o pano. Apagaram-se as luzes. Acabou o último acto. O encenador já não volta. Não seguimos o guião. Alterámos as falas. Modificámos o sentido. Tranformámos a peça naquilo a que chamamos de vida. Irónico. Afinal, não estavamos apenas a jogar. No entanto, o jogo recomeça. Mesmo que se mudem os jogadores. Recomeça sempre. Independentemente de os dados se viciarem. E quando o pano abre, dá-se início à próxima cena. Mas se voltas a falhar, Xeque-Mate. Quebra-se o ritmo e perde-se o coração.


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quarta-feira, 27 de abril de 2011

(in)certezas

Tu estás igual. Eu estou igual. E sempre que falas oiço aquilo que me dizes. Porque o tempo passa e as horas mudam. Mas as tuas camisolas já não são de criança. E os meus sapatos já não sao escolhidos pela minha mãe. Os sorrisos deixaram de ser o espelho da inocência. Os olhares cruzam-se, agora, com um outro sentido. Sinto que no ar ficou a nostalgia de quando nos conhecemos. Não de quando nos vimos. Mas sim de quando percebemos que, ainda que com todos os defeitos que nos são característicos, existem pessoas perfeitas. Os meus sonhos não são os teus sonhos. E ambos sabemos dessa realidade. Mas quem se cruza pelo caminho poderá, sempre, recorrer a um atalho. O lado certo não existe. O lado errado também não. E os atalhos acontecem quando percebemos que nada nos impede de construir o nosso próprio destino. Porque o relógio voltou a mudar e tu continuas aqui. Os segundos passam e a dúvida se ficas ou se vais deixou de me importar. A decisão é tua. Gostava de te ouvir e de perceber tudo aquilo que me tentas dizer. No entanto, prefiro que deixes as palavras voarem ao sabor do vento. Simplesmente porque a tua presença começa a tornar-se o essencial. Dando às palavras perdidas um rumo que nenhum de nós saberá seguir. Na esperança de que um dia as encontremos. Porque o sentimento não se vê. Sinto-o. Mas sei que tu apenas ouves aquilo que te digo. Ouves ou finges ouvir. Estás ou tentas transparecer que estás. Vais e ficas constantemente. Entrelaças-te a cada instante nas tuas próprias indecisões. Embora, no fundo eu saiba que nunca terás certezas. Mas são as incertezas que, todos os dias, me fazem gostar de ti.


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segunda-feira, 25 de abril de 2011

(des)encontrados

Deixou-se ficar. Mas com a pressa de voltar a um mundo que só a si lhe pertencia, ele partiu. Tudo mudou mas nada saiu do lugar. O coração dela batia cada vez mais depressa. As lágrimas caíam. As recordações balanceavam-se para lá e para cada como que um baloiço de crianças. A vontade de correr atrás do balão perdido. O sonho de um dia perfeito. O sorriso desvanecido. A princesa caiu em cena. O príncipe abandonou a peça sem deixar rasto. As cartas para rasgar. Já tudo estava distante. Finalmente ele chegou a casa. O silêncio instalou-se. O sentimento de culpa sobreveio. Fez o que estava certo. Mas não estava certo daquilo que fizera. O lábio tremia-lhe. O coração palpitava de forma diferente do habitual. As paredes forradas com fotografias. Fotografias que eram deles. Deixou-se cair em cima da cama e adormeceu. Viajou para outro lugar. Onde tudo estava como sempre esteve. Onde ele sorria. Ela sonhava. E eles viviam. Aqui ela não lhe atribuía culpas. Ele não se sentia culpado. O princípio do fim não chegara. E ele não tinha que a deixar simplesmente porque o destino assim o ditou. Mas no fim de contas, ela continuava em compasso de espera, perdida nas ruas da cidade, sem vontade de se encontrar.




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change




domingo, 24 de abril de 2011

verão de primavera

Sorriu. As gaivotas voam. O mar bate contra as rochas. As crianças correm desenfreadamente pela calçada que, mesmo com falhas, percorre a praia. Ao fundo o som dos barcos faz-se ouvir. As pessoas deitam-se como que lagostas ao sol. O senhor lê o jornal. Ou finge que lê. Voa a folha do meio. E o resto embrulha-se nas suas mãos como se de um guardanapo se tratasse. A senhora ri-se. Aborrecem-se. O vento pode ser tramado. Os vizinhos comentam porque nada no seu dia lhes interessa mais do que a vida dos outros. A bola gira de craque para craque. E, assim, os rapazes fazem-se sentir. As raparigas olham como que a medo. Coram. Riem baixinho e desviam o olhar. Fazem-se de importantes e de desinteressadas. Que mentira. Querem tanto ou mais que eles. Manias. Tudo parece um dia normal de verão. O sol está bem quente. Cheira a maresia. Porém, estamos em Abril. A praia em Abril não pertence aos banhistas. Quanto muito, serve de pano de fundo para o passeio dos turistas. Os surfistas sentem-se usurpados. A praia, a areia, a brisa, o sol, as ondas. Tudo lhes pertence. O nadador salvador não chega. A bandeira ainda não esvoaça no mastro a meio do areal. Mas as correrias são espontâneas. Surgem os barquinhos de encher. As pessoas tendem em mergulhar. O verão chegou mais cedo e ela, sentada na esplanada, sorriu.




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sábado, 23 de abril de 2011

follow your dreams



com ou sem sentido

Nem tudo é como queremos que seja. Nem tudo muda quando tem que ser. Nada faz sentido quando faz sentido que o fizesse. Somos apenas alguém com uma vida para traçar. Entramos e saímos de vidas alheias a pensar que mudámos alguma coisa. Nem sempre isso acontece. Poucas são as vezes em que isso acontece. Somos seres individuais. Mais individuais do que aquilo que pensamos. Na verdade, queremos ser aquilo com que sonhamos. Ou talvez sonhemos com aquilo que somos na realidade. Há dias assim. Em que nada nos parece ter sentido. Em que ninguém parece estar connosco. Ou então, somos nós que não queremos estar com ninguém. Aceitar o outro não é fácil. É preciso parar. Conhecer. Querer. Dar espaço e liberdade para que o outro se torne num alguém para nós. E depois de um alguém o que será que vem mais? Cada passo é um passo. Cada dia é um dia. E como não poderia deixar de ser: cada pessoa é uma pessoa. E com elas aprendemos. Seja com um olhar arrebatador ou com um sorriso reconfortante. Se isto faz sentido? Na realidade, nada fez sentido quando o sentido deveria existir.






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